amores expresos, blog DO CUENCA

Thursday, November 29, 2007

Lançamento "O dia Mastroianni" em SP


A Editora Agir e a Livraria da Vila convidam para a noite de
autógrafos de "O dia Mastroianni", de João Paulo Cuenca

5ª feira, 29 de novembro, às 19hs
Livraria da Vila – Rua Fradique Coutinho, 915
Vila Madalena – São Paulo/SP – Tel.: (11) 3814.5811

Friday, October 12, 2007

Hoje, 11/10, no Rio de Janeiro


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A Editora Agir e a Livraria da Travessa convidam para o coquetel de lançamento do livro

O DIA MASTROIANNI

de João Paulo Cuenca

Quinta-feira, 11 de outubro, a partir das 19h
Livraria da Travessa - Rua Visconde de Pirajá, 572 - Ipanema

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Ás 23h59, no Cinematéque, começa a "Noite Mastroianni", com o melhor da música de todos os tempos numa seleção dos discotecários Pedro Cassavas, Tomás Anselmo e convidados surpresa.
Cinematéque - Rua Voluntários da Pátria, 53 - Botafogo

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“Dia Mastroianni” é qualquer dia, em qualquer tempo ou cidade do mundo, em que dois amigos decidem cumprir o hilário ritual de passar 24 horas vivendo como farsa o que o mítico ator italiano imortalizou como sua persona mais típica: um dândi que flana entre mulheres e prazeres, irônico e um tanto melancólico com o tempo que escorre com pouco sentido, muito som e nenhuma fúria.

Esta tradição não tem fundamento no cinema ou na memória, mas na imaginação de João Paulo Cuenca, que depois de transfigurar Copacabana em seu elogiado romance de estréia, Corpo presente, cria um mundo fora de qualquer eixo para Pedro Cassavas e Tomás Anselmo. A dupla de personagens vaga por uma cidade tão improvável quanto seus nomes e, entre o pipoqueiro traficante que faz ponto na Praça do Duomo e a boemia do Baixo Gália, vive um pesadelo dos mais divertidos que, aos poucos, vai tornando-se cada vez mais familiar ao leitor.

Isso porque O dia Mastroianni é, em muitos sentidos, um romance de geração ou, mais exatamente, dos clichês de uma geração que, por tanto temer os lugares-comuns, acaba confundindo-se inapelavelmente com eles. Os personagens citam, elogiam-se e expõem-se ao ridículo de suas pretensões sem qualquer limite. Repete-se – mais uma vez como farsa, é claro – o mandamento número um da nossa melhor ficção: Cuenca só se serve da pena da galhofa por ser ela encharcada do toner da melancolia.

Friday, August 17, 2007

São Paulo - 15.08.2007

Sunday, July 1, 2007

Liberdade estranha em ser analfabeto (Jimbocho, Maio - 2007)













Sunday, June 17, 2007

A sombra

Recorrentemente, tenho pensamentos desse tipo: “agora em Tóquio é amanhã de manhã”, “agora em Tóquio anoiteceu”, “agora em Tóquio, o sinal da esquina no cruzamento na saída leste da estação de Shinjuku, na frente do telão do Alta Studio, fechou libertando a fúria dos pedestres, e no meio da multidão uma senhora abaixou para pegar um papel caído gerando um esbarrão de sacolas que foram ao chão”, “agora em Tóquio, é uma e meia da manhã e as portas se fecham nos elevadores da Dogenzaka Dori em Shibuya por trás das moças que perderam o trem”, etc etc etc - quase como se houvesse uma sombra minha percorrendo as esquinas da cidade enquanto estou aqui.

E há.

Saturday, June 9, 2007

David Foster Wallace falando sobre ser estrangeiro



Tungado do blog do Parada.

Wednesday, June 6, 2007

A chegada

O blog do Amílcar Bettega, que está em Istambul, já está no ar.

E estreou com um texto primoroso sobre os primeiros sentimentos que costumamos ter (ao menos, eu sinto da mesma forma) ao chegar numa cidade.

Quando o Amílcar escreve sobre a vertigem desses primeiros dias e na saudade que já tem deles, eu me identifico completamente. Sei que nunca mais vou me sentir tão impactado como quando desembarquei em Tóquio.

É uma melancolia estranha. Existe uma cidade que idealizei por mais de vinte anos, e que misturei à minha existência e aos meus olhos. Nunca mais enxergarei essa cidade com o temor e o encantamento dos nossos primeiros dias juntos. É como se já tivesse gasto uma ficha: Tóquio nunca mais será um lugar completamente misterioso e desconhecido para mim.

(Por mais que se estude e consulte mapas, a verdade é que as chegadas sempre representam certa destruição do imaginário adquirido sobre o lugar, como escreveu o Amílcar. A cidade, seus acasos e tentáculos se impõem sobre tudo e, assim que chego, costumo jogar os guias num canto para não mais consultá-los.)



Carrego a certeza absoluta do retorno, que será diferente: já conhecerei alguns dos seus caminhos. Minhas pernas não vão mais tremer, não gaguejarei, os nomes das suas partes não representarão mais enigmas ininteligíveis para mim. Haverá certo orgulho: sei andar por aqui. E, mesmo que ame a cidade, talvez fique algo blasé e faça pouco dela. Mas, se for a cidade certa (e eu imagino que Tóquio seja uma delas), inventará novas formas de me surpreender: ficaremos íntimos.

Mas nunca mais aquela vertigem...

Que me você me perdoe pela canastrice da minha conclusão, mas as cidades, meu caro Amílcar, são mulheres. Tóquio é uma mulher elegante e fria (embora subserviente, se você souber seus códigos), Paris é uma mulher linda e temperamental (histérica, vá lá), o Rio é uma mulher gostosa (de sorriso careado e cicatrizes por trás do vestido)...

Espero que Istambul, essa mulher que ainda desconheço, te abrace e acolha com seus becos, cheiros, rostos e palavras desconhecidas. E, quem sabe, não te cochiche alguns segredos à noite. No Japão, durante a madrugada, a cidade falava nos meus ouvidos. Voltei, mas ela continua: sonho todas as noites com Tóquio. Ou será que Tóquio, mulher-polvo, é que sonha comigo?

Como você vê, já me perdi nas minhas digressões... O importante é: boa viagem, Amílcar.

O tempo

Entrei num arranha-céu em Shinjuku procurando algo para comer num sábado desértico. Depois descobri que o prédio tinha o maior vão interno do mundo, que guardava o maior relógio d’água do planeta (ver vídeo abaixo). Típico da minha experiência japonesa: encontrar o que não se espera em caminhadas banais, esbarrar com o inusitado o tempo inteiro.

Tuesday, May 29, 2007

Aventuras em Akihabara

É fim do dia e caminho pelas ruas mal iluminadas de Ueno, depois que o mercado barulhento sob a linha do trem se esvaziou rapidamente (entrei num bar de Yakitori e, quando saí, não havia mais movimento algum). Sigo a direção do viaduto acreditando que vou para um lado, e depois de vinte minutos andando na via escura chego noutro: Akihabara, meca planetária dos nerds (os japoneses chamam de “otaku”) que reúne as maiores lojas de eletrônicos, mangá e anime do Japão.

Numa esquina, sob a macarronada usual de néon, meninas meio gordinhas vestidas de empregada-doméstica-colegial (meias soquete, saias rodadas estufadas por quilos de renda, aventais brancos e arcos na cabeça) distribuem propagandas de “maid cafés” – que não são exatamente o que o leitor desavisado pode estar pensando. Pego um papel e decido peremptoriamente que minha experiência japonesa incluirá uma ida a um deles naquela noite. Mas os prospectos são todos em japonês, assim como os mapas, e as lolitas não sabem uma vírgula de inglês.



Uma delas se compadece do gaijin e indica o caminho, numa mistura de inglês, japonês, esperanto e o gestual dos surdos-mudos. Uma reta, a segunda à direita, seguir em frente. O lugar fica num prédio à esquerda depois de uns “três minutos de caminhada”.

No meio do caminho, para variar, me perco. Quando olho para trás, percebo que a menina está me seguindo como uma assombração. Com extrema paciência, e guardando uma distância regulamentar de cinco metros atrás de mim, me conduz até o segundo andar de um prédio no centro do enclave otaku da cidade. Na porta, me mostra o cartaz, o compara com o papel que me entregara minutos antes, e aponta para o segundo andar. Andamos por um corredor, ela chama o elevador e entra por uma porta à direita.

Entro sozinho no elevador e, quando a máquina abre a porta um andar acima, ela me reencontra ofegante – subiu de escada.

Sou recepcionado por uma gerente que entoa uma longa e incompreensível saudação em japonês. O café, claro e iluminado como qualquer lanchonete, está lotado de adolescentes. Ubíquos monitores de tv transmitem videoclipes do principal produto de exportação da América para o mundo: hip-hop vagabundo.



Tirando as garçonetes infantilizadas, há outras figuras estranhas como um sujeito vestido de super-herói e outro de botas pretas e rabo de cavalo na altura da cintura. Mas, no geral, são nerds no sentido mais vulgar da palavra. Quando servem a bebida, as garçonetes vestidas em suas modas surrealistas agacham-se ao lado da mesa. Mexem com o canudo no copo e o apontam para a boca dos clientes, que são tratados literalmente como “mestres”. Todas, sem exceção, falam e se movimentam como criancinhas. E a emoção termina aí: ser servido e paparicado por lolitas de história em quadrinhos num café palheta.

A menina que me guiou até o lugar, agora já no seu papel de garçonete, me pergunta o que quero beber. Peço um expresso. Quando me serve, pega o apoio do copo e diz:

“I am going to write my name”

E escreve “Miichi” com uma letra infantil. Eu agradeço e invento um nome para mim (em Tóquio, estou sempre inventando nomes). Depois pergunta, muito vagarosamente:

“Do you like cats?”

Não gosto, mas para cortar papo digo que sim. Miichi desenha um gato no apoio do copo e diz:

“It is a cat. Cute cat. It is for you.”

Minha nova amiga fala e age como se fosse uma criança de cinco anos com paralisia cerebral. Sinceramente comovido, agradeço. Meus colegas de “maid café” parecem achar tudo isso fantástico e excitante. O que eu acho? Não tenho a menor idéia.

(O Globo - 29.05.2007)

Sunday, May 20, 2007

Mirando no sol vermelho

Numa transversal da estação de Ikebukuro desço dois lances de escada por um corredor de bambu e chego a um restaurante. Tiro os sapatos e calço sandálias de madeira sobre o chão de pedra. Uma garçonete me deseja boas vindas e me faz perguntas como se eu pudesse compreendê-la. Apenas agradeço e sigo o caminho sinuoso até uma das salas no final. Junto à mesa, sento no chão com os joelhos dobrados. Em dez segundos meus pés ficam dormentes.

Os outros parecem confortáveis.

Formam um grupo de, como dizem, “sararimen” – trabalhadores assalariados japoneses, desses que vejo em todo o lugar, o tempo todo, andando de terno e gravata num passo apressado. Estendo a mão, gesto que recebem com surpresa e risos de constrangimento. Apresentações feitas, lamento por não ter um cartão de visita. Eles têm, e me estendem cerimoniosamente, segurando o pedaço de papel com as duas mãos.

Muito do costume do cartão tem a ver com linguagem e tratamento social – dependendo da função hierárquica de cada um dentro de suas corporações, a forma de se dirigir ao outro e os pronomes de tratamento mudam completamente, assim como a construção das frases e o ângulo da inclinação das costas quando se despedem.

No entanto, a linguagem não reflete exatamente o que se pensa. Não que a polidez não seja sincera. Mas aqui se separa o que se pensa do que se diz, de uma forma que talvez um brasileiro não esteja acostumado a lidar. Ao contrário do Brasil, onde todos, do taxista ao garçom, passando pelo santo padre, falam sobre qualquer assunto emitindo fortes e instantâneas opiniões, por aqui não é tão fácil saber o que um japonês pensa sobre qualquer coisa.

Normalmente perguntas genéricas são encaradas quase como se fossem de cunho íntimo, e o sujeito pede tempo para pensar. E depois, aos poucos, fala com cautela. É como se existissem dois tipos de sujeito: o íntimo e o social. E talvez mais: vários tipos de acordo e dança social, várias relações de intimidade em diferentes níveis. Acredito que, para fazer a travessia, o sarariman típico precisa mudar uma série de configurações mentais. Mas depois disso, especialmente se estiver bebendo saquê, a coisa muda de figura e o assunto pode descambar. Derrubadas as pontes dentro de si, são incrivelmente mais desinibidos e liberais do que nós para falar de suas intimidades a um estrangeiro, que, inicialmente, receberam com timidez e desconfiança.

É preciso lembrar que o Japão só deixou de ser um país feudal na segunda metade do século XIX. É preciso lembrar que, até 1945, o imperador era tido pelo povo como uma divindade - literalmente. O país entrou no mundo dito “moderno” sem adquirir os mesmos valores e moldes de pensamento ocidentais hegemônicos no planeta – ou que foram hegemônicos até o século XX. Acredito que esse país é tão complexo para nós justamente pelo contraste entre um modo de pensar ancestral e muito particular, e a importação (e aperfeiçoamento) de hábitos e tecnologias do exterior. Acho que essa contradição está presente o tempo inteiro, em cada aspecto da vida no Japão.

(Antes da chegada da esquadra norte-americana do Comandante Perry, em 1853, o Japão ficou duzentos e cinqüenta anos sendo um país completamente fechado ao comércio exterior. Simplesmente não entrava nada, ou ninguém. E, se saísse, não podia voltar. Daí, pode-se imaginar a rapidez e eficiência com que essa sociedade conseguiu absorver inovações do exterior – e nem começarei a escrever sobre o pós-guerra.)

O interessante disso tudo, e aí nem sei mais onde queria chegar quando comecei a contar sobre meu encontro com os “sararimen”, é que fazem esse tipo de movimento sem, em nenhum momento, deixarem de ser essencialmente japoneses. Por mais que alguém possa reclamar da “ocidentalização” excessiva do país, eu diria que aqui é Japão o tempo todo. Até Mickey Mouse e pub irlandês no Japão tem cara e jeito de japonês.

Importaram o capitalismo, mas fizeram dele um capitalismo japonês, com amarras que, de certa forma, acabaram erguendo uma sociedade muito menos desigual do que a de seus pares ocidentais. Importaram o telégrafo, o rádio, a televisão, o computador e a fotografia, levando essas tecnologias ao máximo da sofisticação. E, por mais que em lugares como Ginza, Omotesando ou Daikanyama queiram emular Paris, eles acabam também aperfeiçoando a cultura européia, transformando-a em outra coisa, muito mais elegante e estilizada: japonesa.

(O Globo/Megazine - 15.05.2007)

***

Saindo do restaurante em Ikebukuro:

Tuesday, May 15, 2007

Hotel cápsula - vídeo

Aqui, vídeo da fachada de um hotel cápsula em Ueno, muito mais elegante do que o lugar onde dormi ontem (ver post abaixo). Infelizmente, as baterias haviam acabado, e não tenho registro da minha noite dentro da gaveta.

Encaixotado

Aconteceu sem planejamento. Depois de um dia cheio de aventuras em Daiba, baía futurista de Tóquio (escreverei mais sobre o lugar, que vai entrar na minha história), encontrei com um amigo de amigo chamado Ikutaro no “8 bit cafe”, em Shunjuku, onde ele seria o DJ da noite. Penei, como sempre, para achar o bar, um quinto andar sem placa.

Lá dentro, pelas prateleiras e mesas, videogames antigos e centenas de fitas originais, todas com no mínimo quinze anos de idade. E também bonecos de plásticos e mangás japoneses de todo o tipo. Todos se conheciam no bar, e acabei entrando no papo. Bebi certo tipo de cachaça feita a partir de sakê e acabei perdendo o trem.

O trem pára de passar às 0:30 e volta às 5:30. Voltar para casa de táxi é caríssimo, o que faz com que muita gente espere a reabertura da estação. Eu não tinha dinheiro para o táxi. E tampouco queria ficar acordado, exausto que estava de um dia que começou cedo, cheio de aventuras etc.

Desesperado de sono, saio pelas avenidas iluminadas de Kabukicho. É uma da manhã e eu procuro por um hotel cápsula.

Antes de vir para cá, imaginava tentar a experiência. Depois que vi as fachadas, desisti. Mas a verdade é que agora me sinto como se estivesse desaparecendo. Não tenho medo. Acho o prédio, velho e acabado como eu naquela noite, depois de quinze minutos de desorientação.

Ignoro a advertência ilustrada sobre a proibição de homens tatuados e bêbados – sou um deles – e entro. Subo dois lances de escada e chego à recepção, onde tiro os sapatos e assino meu nome. Recebo uma chave (3021), um roupão e duas toalhas, assim como breves instruções em japonês. Vou ao vestiário e troco de roupa.

Antes de (tentar) dormir, exploro os corredores lúgubres e estranhamente iluminados do hotel-cápsula. Para quem não sabe, uma cápsula é uma gaveta de fibra de vidro. Você dorme na gaveta, enquanto outros dormem na gaveta abaixo ou acima. Cada corredor tem umas vinte gavetas por parede, duas fileiras de dez, uma sobre a outra.

Pelos meus cálculos, aqui devem ter umas 400 gavetas.

Nos banheiros coletivos cheirando a cigarro, velhos japoneses assoam o nariz daquele jeito que só velhos japoneses conseguem assoar o nariz.

Como eu, imagino que a maioria desses homens tristes e vestidos em roupões de pano gasto deve ter perdido seu trem.

Reúno coragem e resolvo procurar minha cápsula. Ela fica no terceiro andar (são cinco). Para minha sorte – ou azar, não sei – minha gaveta fica na altura do chão. Acima dela, alguém dorme. E também no andar de cima. No andar de baixo. E nos lados.

Nesse hotel cápsula, as gavetas não tem porta, apenas uma pequena cortina de bambu que, além de luz, deixa entrar barulho. Privacidade não há. A abertura por onde você entra tem cerca de 50 cm de altura e largura. Lá dentro, é impossível ficar de joelhos, muito menos de pé. Dentro desse retângulo exíguo, não consigo me virar ou esticar os pés direito. A estrutura de fibra comporta um pequeno monitor de tv, alimentado por moedas, e um controle lateral de rádio e luz. Procuro por um ventilador ou ar-condicionado, mas não há. Faz calor dentro do caixão.

Durmo um sono de seis horas cheio de sobressaltos (acordo toda vez que alguém pisa no corredor) e tenho sonhos bizarros (um capítulo à parte dessa viagem). Entre outras coisas, sonho com um incêndio num hotel cápsula, onde, fugindo, encontro com o Chico Buarque na calçada, e ele muito calmamente me diz “certa vez fiquei num desses, na Guatemala” (?!?!), e também sonho longo episódio sobre um gato carregando um pássaro entre as mandíbulas. Penas voam, o pássaro amarelo se debate e chora (?!), eles entram dentro do meu quarto e me perseguem por elevadores. Dentro do sonho, pego meu caderno de sonhos dentro do sonho e anoto o sonho dentro do sonho. Isso é uma recorrência, aliás, e talvez a melhor literatura que jamais produzirei.

Às nove, uma mensagem ressoa dentro da cápsula. Não entendo do que se trata e volto a dormir. Às nove e meia, nova mensagem, e o eco de música clássica pelos corredores. Um homem abre a cortina da minha cápsula abruptamente.

O tempo acabou.

No vestiário, os sararimen e suas feições amarfanhadas voltam a mostrar alguma dignidade quando retomam a posse dos seus ternos e gravatas.

Quando saio para encarar com o corpo moído a manhã quente de Tóquio, ganho um cupom de desconto para uma próxima vez que, espero, jamais acontecerá.

Para os próximos meses

Na última semana, atualizei pouco esse espaço porque não tive tempo de passar minhas experiências para o computador. Tenho muitas anotações e uns três gigas de fotos e vídeos para “subir” para o blog. Devo continuar atualizando isso aqui ainda por meses, até que o livro fique pronto e eu vá processando minhas lembranças em Tóquio – e transformando algumas delas em literatura.

Wednesday, May 9, 2007

Documentário, Shimokitasawa, Love Doll, Jimbocho, Vale das Fadas, 1986

No final de semana passado, o diretor do documentário sobre o projeto aterrissou em terras nipônicas. Mal chegou, Tadeu Jungle foi por mim carregado a alguns dos becos e subterrâneos menos prestigiosos da cidade. Almoçamos na ruela dos botecos de Yakitori que costumo freqüentar e depois fomos até Shimokitazawa, um distrito bastante popular entre jovens músicos, atores e artistas em geral que vivem por ali em busca de aluguéis baratos etc. (Há um plano da prefeitura de abrir uma grande avenida cortando o lugar em dois, o que tem gerado certa grita no local).

Em Shimokita, depois de saltar de um trem lotadinho, aportamos num clube chamado Shelter, onde estava prestes a começar famosa noite punk. Os shows começam cedo (7 PM) e logo nos misturamos à fauna, punkabillies e freaks em geral. O lugar estava abarrotado de gente (é um porão minúsculo), mas acho que japoneses têm certa facilidade para se apertar e, ao mesmo tempo, não se misturar.

As bandas eram covers eficientes de The Clash e Sex Pistols, formadas por músicos de diversas bandas reunidos especialmente para a ocasião. Nunca vi nada parecido: desde penteados até pedais de efeito e guitarras, todos os detalhes eram impressionantemente similares às bandas originais. Diria que até tocavam melhor. Apesar do lugar ser uma biboca, o som era perfeito. A muvuca, que parecia tranqüila demais, enlouqueceu quando soou o primeiro acorde do primeiro show quando abriu-se ao meu redor uma roda de pogo que fez minha cerveja virar chuvisco. Enquanto eu lidava com a fúria punk, Tadeu, protegido sobre uma escada, fez imagens da banda.

O lugar é muito representativo. Todo mundo fantasiado, projetando e reproduzindo imagens. Fantasia e cópia.

Depois fomos para Shinjuku filmar Kabukicho à noite. No dia seguinte, aventuras em lojas ilegais e obscuras de Love Dolls, onde encontramos a boneca de 9500 dólares, e invasões à flipperamas e lojas de mangá em Akihabara. Fomos expulsos de todos os lugares, mas o Tadeu conseguiu captar imagens sensacionais.

Sobre a entrevista, pouco tenho a dizer. Acho que sou péssimo entrevistado e sou muito melhor fazendo perguntas do que as respondendo.

O Tadeu também registrou o metrô, a tarde chuvosa, os rostos fechados, os olhares oblíquos, as multidões furiosas atravessando a rua. Não filmamos parques, templos ou a floração das cerejeiras. Não foi essa a Tóquio que escolhi como objeto. Minha Tóquio é subterrânea, noturna, urbanóide e dividida em guetos obscuros. Aqui, as escadas sempre descem.

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Fui à Jimbocho, área que concentra editoras, sebos etc. Sucumbi pela primeira vez ao desejo de comer carne de boi, e me senti meio esquisito usando garfo e faca.

Encontrei meu amigo Musha, e seu amigo Mario (que, além de agente literário, é um excelente ilustrador) num restaurante esquisito onde salary-men e suas secretárias de meia-idade bebem cerveja antes de ir para casa. Depois rumamos à Kabukicho para uma festa de aniversário.

Entranhei o endereço, mas fato é que no meio do caos de néon e putaria do lugar, há um restaurante chamado "Vale das Fadas". Depois de ganhar longa escada (para baixo) adornada por cortinas de cetim, vê-se um salão cheio de luzinhas e tendas de seda, onde toca sem parar uma som lúgubre de caixinha de música e tudo é fofo e “encantado”.

Como registrado em vídeo:



Depois, restaurante japa, onde descobri novas variedades de sakê, peixe e palavras. Pós-jantar, mui orgulhosamente conduzi meus ébrios novos amigos ao Mother’s bar e suas rubras luzes. É o lugar, já referido em entrada anterior deste blog, onde se pode escolher a música num menu e onde acontecem silenciosas batalhas de gosto musical entre seus randômicos freqüentadores. É tão escuro que precisamos usar lanternas para ler o nome das bandas e escolher as músicas.

Como registrado:



Expulsamos os farofeiros que lá estavam ouvindo Metallica e ainda fomos a um outro buraco, lotado de perigosas lésbicas, onde o garçom era uma espécie de transformista marombado. Esperei o primeiro trem num fastfood de miojo, ao lado de hosts e hostesses (em bom português: acompanhantes, homens e mulheres). Os hosts de cabelo pintado e sapatos pontudos parecem a Tina Turner. As hostesses de meiacalça e microssaia parecem o Rod Stewart.

Ambos em 1986.

Naquela hora da manhã, conversei com um novo amigo japonês sobre o porquê das pessoas aqui pagarem a hosts e hostesses para conversar e serem paparicadas em hostess bars. Leiam bem: normalmente pagam mais para conversar do que para fazer sexo. O cara virou um copo de café e resumiu a cidade:

- Fantasia. Tudo aqui é sobre isso: fantasiar e imaginar.

Coluna do Globo de ontem

Minha incompreensão aqui não se limita somente à língua japonesa, que faz de mim um analfabeto incapaz de ler os outdoors, revistas e cardápios com os quais travo contato. Há uma série de códigos de comportamento e vestuário que, para um ocidental nascido no Brasil, são muito difíceis de entender.

Uma das coisas que mais me chamou a atenção, de início, foi o comportamento das crianças. Por que (e como) são tão educadas? Aqui no Japão, todas me parecem inteligentes e silenciosas como um elevador Mitsubishi. No metrô, é comum ver meninos e meninas de seis anos, ou até menores, absolutamente sós, indo ou voltando da escola. Cena inimaginável em qualquer outro lugar do mundo.

Numa estação, vi uma moça com dois filhos bem pequenos, que mal começavam a andar. Um dos bebês, brincando com um boneco, afastou-se e engatinhou em direção à linha do trem. Levei um susto e quase alertei a mãe, mas rapidamente percebi que não havia motivo. Ela parecia ter confiança no filho: o bebê sabia que o fosso era perigoso. Quando a voz (aqui sempre há “a voz”) anunciou que o trem ia chegar, o menino engatinhou de volta.

No Brasil, a mãe talvez gritasse e puxasse a criança, que iria chorar e fazer escândalo. Na França, muito provavelmente o menino levaria um sopapo na cara.

Outra vez, numa enorme passagem sob um complexo de arranha-céus em Shinbashi, vi um grupo de crianças de creche brincando. Duas professoras tomavam conta do grupo, que devia ter cerca de vinte pequenos japoneses. Não ouvi nenhum choro, grito ou voz alta. As crianças brincavam organizadamente, se é que isso é possível. O detalhe é que estavam soltas, numa área pública, engatinhando no chão.

As crianças podiam estar ali porque o chão é extremamente limpo. Não se vê um papel ou guimba de cigarro. E, como tudo por aqui parece cercado de paradoxos, tampouco se vêem latas de lixo ou lixeiros. Como se Tóquio fosse autolimpante.

Como se sabe, aqui é proibido fumar na rua (multa de duzentos dólares). Os fumantes se reúnem em alguns pontos autorizados, com cinzeiros e exaustores. Se você estiver andando com um japonês fumante, invariavelmente ele vai parar num desses lugares para fumar. E não vai fumar fora dali de jeito nenhum. Pelo mesmo motivo que os pedestres respeitam o sinal de madrugada, quando não há nenhum carro na rua. Quando pergunto o porquê, sempre dizem, rindo e encolhendo os ombros: é o jeito japonês.

***

O jeito japonês é discreto, mas tem lá suas extravagâncias. Entro numa boate qualquer em Shibuya e me deparo com mulheres vestindo collant, roupinhas de bebê ou super-heroína de desenho animado. Homens de vestido longo ou saia rodada. Metaleiros com roupa fluorescente e góticos em geral. Sujeitos de capa e dente de vampiro, erguendo todo o tipo de chapéu, corrente e adereço bizarro. Três meninas totalmente pintadas com bolinhas pelo corpo. Caras de pijama de oncinha. Garotas com faixas negras e amarelas pintadas no rosto. É impossível entender os códigos e fico constrangido por aparentar normalidade dentro das minhas calças jeans e camiseta - o que pra eles talvez signifique que sou um cara bastante estranho.

O curioso é que mesmo entre os jovens mais descolados, os cumprimentos sempre são cheios de cerimônia e ritual. Outro dia vi, no metrô, um grupo de punks de moicano se despedindo daquele jeito tradicional, inclinando o tronco e acenando repetidas vezes numa espécie de gagueira gestual tão comum por aqui. O jeito japonês.

Saturday, May 5, 2007

Sobre ser estrangeiro

A verdade é que, no fim das contas, não me sinto mais estrangeiro aqui do que andando em qualquer lugar da minha cidade. Sempre tenho a impressão de que estou fora de lugar e do tempo no Rio de Janeiro, não menos ou mais do que aqui.

Andando em Copacabana, Belford Roxo ou Shinjuku o sentimento de alienação e estranheza é exatamente o mesmo. Para onde vão todas essas pessoas? Obviamente não me sinto capaz de compartilhar nada com elas.

Estar num lugar tão diferente e supostamente “estranho” como Tóquio me faz perceber isso com uma clareza inédita: não há diferença. É uma conclusão triste, talvez meio infantil. Na minha cidade natal há pessoas que amo, e sinto falta delas. Mas não sinto que pertença a nenhum lugar específico. Nesse sentido, é como se estivesse descolado dos lugares do mundo. Não é uma liberdade confortável. Não há liberdade confortável.

Pensando nisso, posso dizer que, para mim, o prazer que há em viajar passa por sentir-se estrangeiro quando se realmente é. De certa forma, um alívio.

Voltarei a escrever sobre isso.

Galcia Belnal no subsolo

Ontem passei o dia inteiro trancado no quarto, alimentando esse blog, escrevendo a coluna para o Globo e trabalhando a minha história. Saí de casa só à noite e encontrei minha amiga Keiko em Shibuya, onde comemos com um pessoal num restaurante chinês meio pé sujo debaixo da linha do trem. Ótima comida, que tremia na mesa todas as vezes que um JR passava sobre as nossas cabeças.

Como estou temporariamente hospedado em Shinjuku, aproveito para explorar a área. Tirando as bizarrices de Kabukicho, há algumas opções. Keiko me indica um bar de rock: “depois das entradas iluminadas de Kabukicho, você segue mais uns trezentos metros e, à esquerda, vai ver a entrada de um templo. É ali. Mas toma cuidado porque é meio punk demais, com motoqueiros e esse tipo de caras perigosos que podem querer arrumar briga com você.”

Não acredito que nenhum bar no Japão possa ser perigoso.

Ou não acreditava até então.

Foi fácil chegar à rua, uma passagem escura com portais de madeira, lâmpadas vermelhas e dragões de pedra que leva ao templo de Hanazono. Numa entrada a direita, vi o luminoso do lugar. Silêncio total. Abri a porta com a certeza de que estaria vazio. Desci dois lances de escada e abri a segunda ou terceira porta: estava entupido de gente.

Não exatamente motoqueiros ou punks.

Comandando o som, um grupo de meninas com penas de índio sioux na cabeça agitava uns pirulitos fluorescentes em formato de coração. A platéia era uma mistura de todo o tipo de figura, sendo que eu devia representar a minoria heterossexual masculina de um por cento. Rodeado por uma Madonna de saia rodada e meia arrastão (fase anos 80) e por sujeitos de chapéu e casaco de lantejoulas, um cabeludo vestido de couro, lenço de cowboy no rosto, dançava agitando correntes como uma espécie de Fred Astaire do mundo bizarro, ao som de clássicos do cancioneiro ocidental contemporâneo como “My humps”, “Promiscuous girl” ou besteiras do gênero. O clima era de festinha entre amigos, com bolo e champanhe sendo servidos.

Fui até o bar pedir alguma bebida.

Há alguma coisa no ar do Japão que me impede de ficar bêbado.

Não consigo parar de mastigar e investigar a história que pretendo contar, o que às vezes não é lá muito confortável, como se meus olhos e ouvidos fossem aspiradores de pó. Estou pela metade em qualquer lugar que estiver, eu e meu plúmbeo piano, e me sinto bastante ridículo e solitário nesses momentos, especialmente se estou a trinta metros abaixo da terra numa festa privê onde sou o único penetra ocidental.

Estava eu com os cotovelos cravados no bar e perdido nessa sorte de grandiloquentes pensamentos quando um grupo de japonesas magrelas usando saias microscópicas me cutucou:

- Gael Galcia Belnal! Handsome, you!

Não entendi direito. Gael Garcia? Imediatamente me lembrei do Mário Braune, amigo meu, esse sim um galã parecido com o galã. Fiz uma piada dizendo que queria experimentar as drogas alucinógenas que elas estavam tomando, mas as japonesas pareceram não entender e desapareceram como passarinhos.

É quando percebo que todos estão muito bêbados, num nível difícil de descrever ou fazer imaginar. Garrafas de tequila sendo esvaziadas, champanhe estourado e todo mundo com um drinque colorido na mão.

Um japonês de camiseta regata e cabelo espetado me oferece bebida. Digo que já tenho, e ele pergunta como eu fiquei sabendo do lugar e da festa. Pergunta também de onde sou, se sou espanhol ou italiano. Quando digo que sou brasileiro, faz cara de abismo. Mas, como todos, é muito simpático e diz que sou sortudo de estar aqui, que é a estréia de uma data na casa, que todos são amigos etc.

Nesse ínterim, coisas estranhas acontecem. Um casal de negros carecas Lafont style entra vestido de Twiggy, e um deles usa um sapato bicolor de salto alto, coisa que nunca tinha visto antes – nem o Lafont Twiggy, nem o sapato. O dj, que depois descubro se tratar de um ex-transformista gordinho de nome LOLITA, começa a dublar uma balada do ABBA, que todo mundo canta junto. Uma japonesa insana tira a blusa e sai rodopiando pelo salão com os pequenos peitos de fora. Ninguém parece se importar muito.

Meu amigo recém-conquistado contamina-se pelo clima de euforia e resolve avançar o sinal. Dá um beijo estalado na minha orelha e diz:

- You are so cute! So cute!

É, amigos da Rede Globo... De galã mexicano à gracinha gay foi um pulo.

Dou um passo para traz e metralho algo como “wow, take it easy I’m straight, man!”, o cara entende e a noite segue no seu ritmo insano com outras cenas difíceis de descrever.

Em pouco tempo, me canso e saio dali.

Reparem no vídeo como a rua é silenciosa, em contraste com a zoeira do lugar:



Caminho de volta por ruas tão iluminadas quanto sujas (a parte leste de Shinjuku é imunda comparada com o resto) quando ouço uma música do Radiohead (!). Vem de uma escada estreita, junto com uma luz vermelha, como se aquele subsolo fosse um dos portões do inferno. Entro no minúsculo e vazio bar, onde devem caber umas cinco pessoas, e peço uma cerveja Asahi. A menina me traz a cerveja e um cardápio.

O esquema é o seguinte: você escolhe o disco que quer ouvir. O catálogo é grande. Peço Kula Shaker, psicodélico como a noite e a cidade, e ela pega seis discos no balcão. Escolho o “Peasants, Pigs and Astronauts”. Ouço três músicas, mas estou exausto e saio sem pedir a segunda cerveja. Mas quero voltar lá - o problema vai ser achar de novo aquela portinhola.

***

Se alguém estiver em Tóquio e quiser ir no bar que descrevi como “o melhor bar do mundo”, todas as informações, incluindo mapa, estão aqui. Para uma galeria de fotos, clique aqui. O nome do bar é Hartford Café.

Friday, May 4, 2007

O aquário misterioso

Como já entrei em diversos cyber cafés, aos poucos vou me tornando um especialista. Há vários tipos, normalmente ocupando um andar inteiro ou subsolo, com dezenas de cabines, às vezes centenas, dispostas em labirínticos corredores. Há área para fumantes e não fumantes, cubículos particulares ou mesas coletivas. Há cabines sem computadores, apenas para os que querem ler mangá, se for um café de mangá. Nas prateleiras, você pode escolher as revistas, dvd’s ou videogames que quiser, como numa espécie de biblioteca. Sempre vejo várias máquinas vendendo refrigerantes, cigarro e comida. Em alguns, há vestiário, chuveiro e até máquina de lavar roupa. Ainda não vi outro ocidental dentro de nenhum desses cafés.

Na tela do computador, você pode assistir tv ou jogar playstation. As poltronas são sempre bastante confortáveis, com encosto para os pés e para a cabeça, e dá para perceber que tem muita gente que passa mais tempo dentro desses lugares do que eu poderia suportar.

Escrevi acima que ia me tornando um especialista. Engano meu. Como aqui sou sempre assombrado por visões inexplicáveis, adiciono mais uma à coleção. Segue vídeo que fiz do aquário misterioso que encontrei ontem num cyber café em Shinjuku. Pelo que entendi das instruções, é para lavar as mãos e colocá-las ali dentro pelo tempo máximo de dez minutos. Mas com que propósito? Relaxamento das mãos? Algum tipo arcaico de pesca com os dedos? É isso mesmo?



Se alguém souber, por favor me ilumine.

Fotos, Daikanyama, piano de chumbo

Se demorei cerca de dez dias para entrar no horário, demorei também para conseguir fotografar alguma coisa aqui. Acredito que tirar uma fotografia envolve duas decisões simultâneas: escolher o que incluir na foto e o que deixar de fora. Pode parecer uma besteira, mas acho que esse meu bloqueio está muito relacionado à segunda escolha. Agora que estou aprendendo a enxergar melhor a cidade, consegui tirar algumas:








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Subi numa torre panorâmica onde comi o pior sanduíche da minha vida tendo Tóquio e seus milhões de seres humanos por baixo dos sapatos. Depois o trem me levou para Ebisu. Na estação, um caminho de plataformas elevadas carrega os pedestres a uma espécie de shopping aberto esquisito. Dei meia volta por fora da estação, que é sempre caminho mais complicado, e caminhei até Daikanyama, um bairro bastante europeizado de casas baixas, ladeiras e ruelas estreitas, cheio de galerias de arte, livrarias, restaurantes e lojas de roupa. Japoneses elevam o conceito do que é “cool” ou “sofisticado” a um grau de refinamento quase insuportável.

***

Como já estou mais ou menos enxergando os personagens da minha ficção, caminhar pela cidade se transforma numa experiência diferente do que era há alguns dias e, quando mal percebo, já estou no cenário vendo os personagens e situações se materializarem de diferentes maneiras - o que pode ser bastante ridículo.

Não se pode escrever a cena dentro da cena (regra auto-imposta), então deixo tudo se condensar dentro de uma nuvem escura. Em algum momento cujo controle me foge, as idéias vão se alinhar e ganhar o papel quase sozinhas e bla-bla-blá.

Como passo a maioria dos longos dias sem falar com ninguém, como um monge em voto de silêncio, os pensamentos correm soltos e pesados. Sinto como se carregasse um piano de chumbo entre as orelhas. E às vezes não sou eu quem toca a música.

Thursday, May 3, 2007

Melhor bar do mundo, uísque, Bob Dylan, Miles Davis e rock farofa

Ontem escrevi por cinco horas num café esquisito aqui em Shinjuku (metido a francês, num esquema absolutamente kitsch, mas era o único à vista) e depois, aliviado com o resultado, fui com Musha ao que talvez mereça o título de melhor bar do mundo, onde me lembrei bastante de um outro amigo, Fred, que iria adorar o lugar. É um subsolo numa travessa em Shinjuku: na porta há uma pequena placa indicando uma escada menor ainda.

Quando chegamos não havia ninguém, apenas o dono. Depois surgiram por lá algumas almas perdidas: um homem calado de terno de risca de giz, um casal mais quieto ainda - o cara bêbado com a bochecha grudada ao balcão e a mulher dele sorrindo para mim.

O sujeito por trás do balcão e das vitrolas trabalha num hotel e, quando larga suas atividades de hotel-man, dedica-se ao bar. Numa parede, uma coleção com centenas de vinis que ele manipula e coloca para tocar com carinho extremo. Música norte-americana dos anos 60 e 70, folk na maioria das vezes. É como estar dentro da sala da casa do sujeito.



Chegamos lá às nove e meia e saímos às quatro da manhã tendo secado cerca de uma garrafa inteira de uísque – meu amigo é da casa, e tem sua própria garrafa. Na próxima vez que for lá, posso usá-la.

Isso me causa um conforto maior do que qualquer um possa imaginar: há um bar em Tóquio onde tenho uma garrafa de uísque e o dono conhece meu rosto.

Conversas valiosíssimas sobre a sociedade japonesa e suas esquisitices, meus erros de julgamento (comuns a estrangeiros recém-chegados), o livro que estou escrevendo, música brasileira e como Bob Dylan merece ganhar o prêmio Nobel de literatura mais do que qualquer um dos laureados nas últimas décadas.

Meu livro já tem um início. Que posso absolutamente descartar, é claro, mas que já existe e que, às vezes, me agrada.

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Como todos os dias aqui têm o peso de uma experiência iniciática, vivo exausto e mal dormido. Quando chegar em casa, dormirei uma noite de uma semana.

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Escutando no repeat: a versão do Miles Davis para “El Concierto de Aranjuez”, e overdoses de Phillip Glass e Keith Jarrett, trilhas sonoras perfeitas para o desfile dos salary men e office ladies mergulhados em concreto e néon.

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Elevador em Shinjuku. Esse prédio com um castelo no topo é um edifício de karaokê:



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Inacreditável banda de rock farofa tocando na saída da estação, em frente ao gigantesco telão do Alta Studio:

Sobre o último post

Escrevi ontem "por dentro é outra história".

Mas isso não significa que não vou tentar.

Certo é que não vim aqui para escrever história sobre turista em quarto de hotel ou imigrante brasileiro no Japão.

Wednesday, May 2, 2007

Leituras

O que estou lendo agora é um Murakami ("Dance, dance, dance") e dois não-ficção que estão sendo importantes para mim: "Japan's Cultural Code Words (233 key terms that explains the attittudes and behavior of the japanese)", de Boyé Lafayette, e "Shutting out the sun - How Japan created its own lost generation", Michael Zielenziger. Interessantes, mas não me fazem sequer arranhar a superfície dessa sociedade complexa. Dá pra olhar de cima - ou de baixo. Por dentro é outra história.

Imagens de uma noite

A cadetral de Shinjuku na chuva:



Blade Runner no cruzamento de Shibuya:



Bandas independentes em noite de open-mic, num boteco chamado RubyRoom. Toda terça-feira, toca três músicas quem chegar lá, é só botar o nome numa lista. A primeira é uma banda glam que não guardei o nome, a segunda é o The Mammals, meio punk-rockabilly, e a terceira é uma jam entre caras que chegaram quando o lugar estava já vazio - depois que o último trem partiu. A bebida e a escuridão não me permitiram filmar melhor do que isso:







Pausa para sushi na esteira:



Club Asia:



Não dá pra ver direito no vídeo, mas sempre é meio chocante entrar numa boate dessas aqui. Mulheres vestindo collant, roupinhas de bebê ou super-heroína, homens de vestido longo ou saia rodada, punks de moicano com roupa flourescente, góticos em geral, sujeitos de capa e dente de vampiro, todo o tipo de chapéu e adereço bizarro. Tinham três meninas totalmente pintadas com bolinhas pelo corpo. Caras de pijama de oncinha. Garotas com faixas negras e amarelas pintadas no rosto. Não dá pra entender os códigos e normalmente fico constrangido por aparentar normalidade dentro das minhas calças jeans e camiseta - o que pra eles talvez signifique que sou um cara bastante estranho.

Nakano, Cosplay, Dutch Wifes, Suntory, Ney Matogrosso

01.05.2007

Outro amigo que fiz aqui, através de amigos de amigos, foi o Saneaki Mushakoji. Musha é músico, escritor, tradutor (traduziu “O Mistério do Samba”, do Hermano Vianna, do inglês para o japonês) e gente boa toda vida. Na segunda, fui com Musha e sua mulher para Nakano. O plano era conhecer uma galeria de mangá, anime e assemelhados. Nakano é bastante menos badalada do que Akihabara, o que faz os preços mais baratos e a experiência mais interessante.

Nos labirínticos três andares da pequena galeria havia lojas especializadas em revistas em quadrinhos usadas, brinquedos usados (toda o espectro de velhos Ultramen e Godzillas nos encarando pelas vitrines), armas de brinquedo usadas, cds usados, pornografia usada (onipresente por aqui) etc. De impressionar a qualidade (e o preço) das roupas de Cosplay (fantasias de personagens de anime). Havia também um maid café, onde meninas de dezoito anos servem os clientes vestidas de colegiais ou personagens de Cosplay, sempre com microssaias e cintas-liga.

Deixamos pra outro dia.

Dentro de uma das várias lojas especializadas em pornografia, tentei procurar com a ajuda do Mucha revistas sobre “dutch wifes” ou "love dolls", que são basicamente bonecas infláveis muito sofisticadas e hiper-realistas. Aqui, são feitas de silicone, chegam a custar cerca de seis mil dólares e são inteiramente customizáveis (e você deve ter entendido o “inteiramente”). Quando seu dono morre ou resolve descartá-la, as lojas realizam funerais budistas com as bonecas.



Talvez eu resolva escrever algo sobre elas.



Tenho a idéia de que, se pudéssemos entrar na cabeça de um dos caras apaixonados e aficionados por essas bonecas, talvez fosse possível entender melhor o que é... O amor.

(Matéria do Le Matin sobre as bonecas, aqui).

Dentro da loja, Musha me chama atenção para uma prateleira de revistas. Há algo em destaque, com o número treze.

- No seu país, isso é proibido, não?

Eram meninas de treze anos, algumas aparentando bem menos, posando de maiô e biquíni na capa de revistas adultas. O Japão tem lá sua moral própria: todas as imagens pornográficas produzidas e comercializadas no país precisam ter filtros para as partes (veja post abaixo), mas, ao mesmo tempo o país permite que meninas dessa idade apareçam nesse tipo de prateleiras.

(Isso é outro assunto que merece mais espaço, mas percebe-se rapidamente que as mulheres aqui parecem bastante infantilizadas, no jeito de andar, sentar e se vestir. E é disso que o homem japonês médio deve gostar.)

Depois, fomos num café ali perto e acabamos num churrasquinho coreano, uma das carnes mais macias que já comi na vida. Depois, uísque Suntory na casa de amigos do Musha, onde todo mundo era louco por música brasileira e uma japonesa me confessou ser completamente apaixonada pelo... Ney Matogrosso.

Musha é ótimo companheiro de papo e bom de copo e às vezes tudo o que preciso aqui é de um interlocutor assim.

Tuesday, May 1, 2007

A lata

Essa semana estava andando em Shinjuku procurando por um restaurante. Como não encontrava o lugar de jeito nenhum, resolvi entrar num cybercafé para fazer uma busca e talvez imprimir um mapa – tudo funciona na base do mapa porque, como vocês devem saber, aqui as ruas não têm nome.

(Nunca existe um endereço como Rua tal, número x. É sempre algo como “2-7-2 Nishi-Shinjuku”. Os nomes são o do distrito e do bairro, e os números da frente representam respectivamente: a subregião do bairro (chome), o quarteirão dentro do chome e, finalmente, o número do prédio. Mas os números das casas não são dados por ordem geográfica, e sim por ordem de antiguidade (!). De qualquer forma, ter o endereço de algum lugar é praticamente inútil e nenhum taxista ou transeunte irá saber onde você quer ir, ao menos que você tenha o mapa, referências e algum senso de orientação.)

Como todos os japoneses entram na internet o tempo inteiro através de seus pequenos celulares, cybercafés não são populares aqui como em Copacabana.

Ou pelo menos, não como conhecemos.

Seguindo um anúncio – internet em letras maiúsculas – subi um elevador. No final de um corredor longo, uma porta automática abre-se para uma espécie de locadora de DVD’s. No balcão, o atendente me saúda. Eu digo:

- Internet?

Ele me mostra uma máquina onde eu escolho o tempo que quero usar. O tempo mínimo é três horas. Posso comprar cartões de seis, oito e doze horas. Há um outro de vinte e quatro horas. Quem fica um dia inteiro na internet?

Compro o cartão mais barato (três horas) e o homem me pergunta:

- Cama ou sofá?

A coisa vai ficando estranha. Cama? Peço sofá. O homem com esforço se faz entender e me diz que tenho que escolher até seis fitas. É quando reparo que são todas pornográficas. Meio constrangido, pego duas com colegiais fazendo caretas de dor na capa e levo ao balcão. Tudo o que quero é dar um google, mas às vezes as coisas aqui tomam rumos misteriosos. O homem bota as fitas numa cesta de plástico e adiciona: um fone de ouvido sem fio, uma camisinha, um lubrificante, uma lata lacrada, uma chave com um número.

Agora estou num corredor com várias portas, e abro a 307. É o meu número. Na pequena saleta escura, há um grande monitor de tela plana ligado a um computador e a um aparelho de DVD. Sento no sofá e brigo contra o controle remoto da aparelhagem para ligar o computador. Consigo depois de alguns minutos, faço o meu google, vejo emails etc. Aproveito a viagem, claro, para descobrir que aqui no Japão todos os filmes pornô têm um efeito de mosaico nas partes pudendas – depois descubro que é contra a lei mostrar explicitamente esses pedaços do corpo, tanto em vídeo quanto em foto.

Descarto as fitas rapidamente.

Mas a lata lacrada, esse objeto misterioso, fica me encarando sobre a cestinha junto com as fitas.

Se desde o início era fácil entender o propósito da camisinha e do lubrificante, a lata sempre foi puro enigma.

Resolvo encarar o temor e abrir a lata.

É quando tudo se encaixa – ou quase.

A lata guarda, dentro de si, uma espécie de espuma gelatinosa rosada com uma fenda apertada no meio. Era tão óbvio que me senti idiota por não ter sacado antes.

Não estou deprimido o suficiente para encarar a lata e suas entranhas cor-de-rosa e deixo tudo de lado com certo remorso. Saio dali tendo usado dez minutos das minhas recém-adquiridas três horas.

No dia seguinte, leio no jornal que o governo japonês está preocupado com jovens que, por morar muito longe do trabalho e não ter dinheiro para alugar um apartamento, chegam a passar seis noites por semana em lugares como esse. O pernoite é muito mais barato do que o de um hotel. Há algumas variações: alguns são especializados em mangá, outros em filmes etc. Em alguns ao que parece há chuveiros e vestiários para os usuários. Isso tudo somado à praticidade de tecnologias como a da lata faz com que milhares de jovens japoneses passem a noite dentro dessas cabines claustrofóbicas.

Ground control to major Tom:

Take your protein pills and put your helmet on



Commencing countdown engine's on

Monday, April 30, 2007

Comemoração

30.04.2007

Ontem foi a primeira noite em que dormi e acordei no horário. Só depois de dez dias, pela primeira vez posso dizer que me sinto bem disposto como um sujeito normal (ou quase).

Yakitori

29.04.2007

Saí para almoçar em Shinjuku às seis da tarde com nenhuma idéia de onde comer. Caminhei sem muito destino e fui parar num conjunto de ruelas muito apertadas sob a linha do trem. Fios desencapados, chão de pedra, lanternas vermelhas, escadas e becos escuros. Ali, a maioria dos botecos populares vende Yakitori em balcões, espetinhos com pedaços de frango e carne, e também com shiitake, pimentão e um tipo de bolo de grãos. Lugar bastante típico e meio inacessível para gringos: os cardápios são todos em japonês (sem figurinhas, diga-se) e o clima é meio intimidador.

(Algo como um japonês que não fala nada de português querer almoçar num PF de quatro reais num boteco ao lado da Central do Brasil.)

Parei na frente de um dos lugares olhando os espetinhos (naquela altura, já salivando de fome) e um sujeito mudou de cadeira no balcão, liberando a da ponta como que dizendo “pode sentar”. Agradeci e pedi uma cerveja à garçonete chinesa – e esse foi todo o meu japonês falado até agora. O sujeito perguntou se eu era um “tlaveler” e começamos a conversar em inglês. Masami Kawai é um jovem salary-man, formado em engenharia mecânica. Mora a meia-hora de trem daqui e diz que não pretende jamais morar na cidade, muito caótica e doente, expressão que ele iria usar muitas vezes. “Sick!”

“Doente porque as pessoas não têm tempo para viver as próprias vidas e porque é muito estressante andar aqui. Não dá nem pra pensar direito.”

“Too much competition!”

Depois que terminamos de comer e beber, confessei que estava meio perdido, e Masami gentilmente fez questão de mudar seu caminho e me levar até onde eu pudesse me encontrar. Não sem antes, claro, me oferecer seu cartão com as duas mãos e com a cerimônia necessária. Aliás, já é a quinta vez que me oferecem cartões e eu não tenho o meu a retribuir. Penso em mandar fazer um.

Festa e Ritchie Hawtin

28.04.2007

Conheci uma japonesa chamada Keiko através de amigos no Brasil. Keiko é muito legal, fala inglês e se colocou à disposição de me ajudar a conhecer a cidade. Ontem fomos com um amigo dela para uma festa de aniversário em Shibuya, numa pequena loja de discos de vinil. A aniversariante era uma fotógrafa e nas paredes estavam expostas suas fotos, muito boas, por sinal. Em certo momento, ela pegou minha câmera e tirou essas fotos:









(Depois vou pegar o nome para dar o crédito)

Era uma festa de jovens descolados, dj’s, artistas plásticos. Mas sempre quando alguém chegava, os cumprimentos eram sempre cheios de cerimônia. A descontração social tem lá suas amarras no Japão. Outro dia vi, no metrô, um grupo de punks de moicano se despedindo daquele jeito tradicional, inclinando o tronco várias vezes, acenando repetidas vezes numa espécie de gagueira gestual tão comum por aqui.

Depois da festa, fomos para uma rave onde iria tocar conceituadíssimo dj de tecno minimal, Ritchie Hawtin. O lugar era uma espécie de centro de convenções chamado Laforet Museum, em Roppongi. Como tudo, aparentemente morto e vazio. Depois de descer uma escada rolante e virar à direita, deu pra sentir o drama: lugar lotadíssimo. Se na rua estava um frio de dez graus, ali devia estar fazendo trinta. A fila do cloakroom era gigantesca e parecia parada por falta de espaço. Deixei meu blazer e cachecol em cima de um armário qualquer, confiando na honestidade nipônica, e fui para a pista principal. Yasuke, nosso amigo, disse: “pode confiar e deixar aí mesmo, é como em qualquer lugar do mundo! Seguro!”

Um galpão enorme com o melhor sistema de som que já ouvi em lugares do gênero. Colunas de caixas jbl em todos os lados, graves de estremecer o peito. Por trás do dj, uma tela de cinema com projeções em alta definição. Ao meu redor, os japoneses eufóricos, muita gente chapada de bala (ou pó, que parece ser popular aqui), e lotação equivalente à Yamanote Line na hora do Rush. Ou seja: sardinhas clubbers sob raios lasers e muita fumaça.

Video que fiz por lá. É meio escuro, mas quando rola a luz estroboscópica dá pra ter a noção do drama:



Insanidade total.

Quando amanheceu, voltei no primeiro metrô, junto com adolescentes bêbadas de micro-saia e um sujeito que estava escrevendo no celular, adormeceu e deixou o aparelho cair no chão. Ninguém pegou o celular do cara até a minha saída do vagão.

E, claro, meu blazer estava lá quando fui embora: “seguro!”

Shinjuku e Kabukicho

28.04.2007

Nos últimos dias, por motivos diversos, tive especial dificuldade em registrar minhas andanças pela cidade.

Agora estou num bairro diferente, Shinjuku. Tenho a impressão que é a gigantesca downtown de Tóquio. Com duas partes bem diferentes, no entanto.

A oeste, estão os prédios da prefeitura, arranha-céus de conglomerados japoneses com nomes como Mitsui, Mitsubaro ou Mitsubishi, e hotéis como o Park Hyatt e suas três pirâmides iluminadas. Os prédios se debruçam sobre um parque onde moleques andam de skate e monges são monges dentro de um templo xintoísta.



Nessa parte, as calçadas são muito largas e as construções guardam uma saudável distância umas das outras. Se já é surreal pela arquitetura (a prefeitura parece uma catedral cubista de trezentos metros de altura), o lugar ainda vive vazio e parece morto, inclusive durante a semana. Até você descobrir que por baixo de todo o mármore e granito existem enormes passarelas subterrâneas com esteiras automáticas, shopping-centers e tudo o mais. E a maioria das pessoas prefere andar por baixo da terra.

Aqui você pode andar horas sem ver a luz do dia. A cidade está cheia desses espaços de convivência que unem os subsolos dos prédios a galerias comerciais, estações de trem e metrô, praças de alimentação etc. De onde estou, ando por esse subterrâneo em esteiras rolantes por um quilômetro ou dois até a monstruosa estação de Shinjuku que, com mais de duzentas saídas, mastiga e regurgita diariamente mais de três milhões de seres humanos. É a maior do Japão.

Pegar a saída errada normalmente significa estar (bastante) perdido. Caminhar ali dentro é um teste para os sentidos. De orientação e defesa, porque além de se localizar, você precisa desviar o seu corpo dos outros.

Do outro lado da estação, ao leste, fica a parte mais convencional do bairro – é estranho usar essa palavra para definir qualquer coisa aqui.

Avenidas com toneladas de anúncios em néon, becos estreitos com antigos botecos vendendo Yakitori (espetinho japonês), shoppings de eletrônicos, casinos de patchinko, prédios da Sega, Taito, karaokê e tudo o mais. E milhões de “salary-men” e “office-ladys” ocupando as calçadas ferozmente.

Não há nada remotamente parecido à luz da noite num lugar desses porque nunca fica realmente noite. O néon em movimento ilumina tudo e o rosto das pessoas é iluminado como que por fogos de artifício.

Se você pegar uma quebrada à esquerda, notará uma diferença nada sutil na paisagem: Kabukicho.

Kabukicho é para o sexo o que Akihabara é para eletrônicos: o centro do comércio. Controlado pela Yakusa e tido pelos japoneses como o lugar mais perigoso do Japão, o bairro oferece todo o tipo de opção: casas de banho, striptease, peep shows, clubes de encontro, hostess bars, teatros eróticos, casas de chá onde moças servem seus clientes sem calcinha (e com espelhos no chão) e por aí vai. Há desde lugares sofisticadíssimos em prédios imponentes, cuja entrada pode custar 200 dólares, até uns buracos com portinhas estreitas de paredes descascadas do tipo “pague para entrar e reze para sair”.

Há também uma profusão de motéis em ruas estreitas, onde casais embriagados entram e saem a pé a qualquer hora da noite ou do dia. Numa dessas ruas, ao lado de motéis com formato de castelo da disney e com cascata na porta, há um campo para a prática de beisebol, onde salary-men bêbados encaram máquinas que arremessam bolas em alta velocidade.

Comparado com qualquer lugar do gênero fora do Japão, Kabukicho é extremamente limpo. E seguro. A presença da Yakusa se nota pelos mercedes-benz pretos e, às vezes, por um senhor seguido por vários seguranças carecas entrando e saindo de algumas das casas. Todos vestindo ternos de três mil dólares e sapatos italianos. Bastante diferentes dos bicheiros e/ou traficantes com quem esbarro nas ruas do Rio.

De qualquer forma, o gaijin está fora de todo o comercio sexual. Com raras exceções – normalmente africanos convidando os turistas de além mar em inglês para arapucas três andares abaixo da calçada – os anúncios e convites feitos pelas ruas excluem o turista ocidental. Por dois motivos: incapacidade de se fazer entender e entender inglês, e medo que os estrangeiros contaminem as moças locais. Ao contrário de lugares como Copacabana, aqui o turista não é rei – muito pelo contrário. O mercado de sexo funciona com independência, alimentado pelo consumidor local.

***

Até agora, eu filmei mais do que fotografei a cidade. Mas a partir dessa semana, espero tirar mais fotos para colocá-las nesse espaço.